novembro 24, 2010

Inconfesso Desejo

Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo

                                                    Carlos Drummond de Andrade

Chuva


Ah, a chuva!
Hora de água cair

Caem gotas e raios
Parecem cruéis seus estalos
Ventos que arrastam águas que levam
Chuvas em mim

Sob um céu já sem nuvens

novembro 21, 2010

"Tim-Tim"

As taças já estavam vazias. Ninguém me esperou pra brindar. Não deixaram nem uma gotinha! 
“Sacanagem!” – pensei. “O que eu faço com o meu champanhe agora?”
(Da próxima vez, não se esqueçam de mim. Obrigada)

novembro 20, 2010

Adiando

As pessoas, a sala, fazem barulhos, assistem à TV, conversam, interagem. Ela está sozinha. Os barulhos lhe dão dor de cabeça, a TV lhe incomoda, as conversas lhe aborrecem, ela finge que interage. Está sozinha. Não lembra quando falou direito, pela última vez, com pai que tanto ama, com a mãe que tanto imita, com a irmã que tanto admira. Tenta falar algo sobre futebol, porque o pai adora quando ela faz isso, mas logo se arrepende porque o time dele não está muito bem no campeonato. Noites mal dormidas, más notícias na porcaria da televisão, dietas não cumpridas, pés doloridos e cheios de calos, problemas na família, o celular que não presta de jeito nenhum, as tintas e pincéis que ela nunca, nunca mais usou.
A verdade: ela é uma pessoa comum, tão hipócrita quanto qualquer ser humano normal, tão ladra de corações quanto toda mulher razoavelmente bonita e inteligente pode ser, orgulhosa sim, mas nunca deixou de ser generosa, compreensiva. Não tem medo de ninguém, a não ser de Deus, dos pais, daqueles que ama e daqueles que nem conhece. Se assusta ao saber de coisas que já considerava triviais e quase sempre vai muito além do que disse que iria.
Ela sabe que não adianta tentar dormir bem: há semanas vem tendo pesadelos, com a COISA. Não adianta rezar, ler, cobrir-se confortavelmente, encolher-se de frio, nem qualquer tipo estranho de ritual que todo mundo faz antes de dormir. A COISA está ali, em seus pensamentos e não quer deixá-la em paz.
A COISA: Começou há alguns meses. Sabe aquele problema chato, aquele do qual não adianta fugir? Ela está com um desses. Um problemão, coitada. Todo dia, ela tenta pensar numa solução não tão dolorosa e assim vem sendo desde abril, eu acho. Pra você ver como adiar as coisas é sempre um perigo!
Finalmente, uma solução se apresenta. Não era bem o que queria mas, estava fazendo qualquer negócio pra virar essa página da sua vida o quanto antes. O alívio que sentia era quase maior que ela. Que desperdício! Por que não pensou nisso antes? Quantas noites insones, aulas perdidas, confidências inúteis! Pela janela, pôs-se a observar aquela nuvem roxa. Meia hora atrás, ela ainda estava pequenina, insignificante. Como cresceu tanto em tão pouco tempo! Assim era aquele problema. Ela precisava acabar com ele. Aquela nuvem estava escondendo a lua e deixando a noite mais escura... Aquele problema estava lhe tirando o sono e sugando sua alegria...
O PROBLEMA: Realmente tinha muito a ver com aquela nuvem. A diferença é que era muito maior. A nuvem logo transformou-se em chuva e passou. A COISA não faria nada de mal a ela, pelo menos não diretamente. Era com as pessoas que ela se preocupava. E tinha motivo para isso. Ela estava sozinha. E estava com medo.
Em sua cabeceira, um livro lido mais de cinco vezes. Como poderia ler outra coisa, se não conseguia se concentrar em nada. Este lhe ajudava a dormir e, como já tinha lido várias vezes, sabia praticamente todas as falas, de modo que não era uma leitura desperdiçada. De repente, a leitura mecânica, robótica deu lugar a uma leitura sentida, pois as palavras que leu foram tão úteis, tão significativas, tão atuais, tão perfeitas, que pareciam ter aparecido como uma ajuda. Quem foi que disse que os livros não são amigos?
As palavras:
" Hercule Poirot sentia-se morbidamente consciente disso. Sempre fora um homem acostumado a ter uma boa impressão de si mesmo. Afinal ele era, realmente, superior à maioria dos homens em muitas coisas. Naquele momento, porém, sentia-se incapaz de qualquer sentimento de superioridade: era um mortal como qualquer outro, apavorado diante da cadeira do dentista. "
               

novembro 13, 2010

Um Cara Chamado Togui

Conheci um cara chamado Togui. Andando pelas ruas de Belém, sob este sol escaldante de Belém, era um cara diferente desses tipos comuns de Belém. Durante horas, entregamo-nos a conversas intermináveis sobre os bares, as festas, as pessoas, conversas essas regadas a muita cerveja. Tagarelamos tanto que o sol do início da conversa, agora estava se pondo.
Togui era um cara bom de papo, desses que sabem falar coisas sérias sem parecer um chato metido a intelectual, desses que falam besteiras divertidas que toda mulher adora ouvir, uma figura. Usava uma touca de lã azul-clara, o que era muito, muito estranho. Porque ninguém normal usa touca de lã nessa cidade. Então eu, depois de alguns copos, criei coragem e perguntei: “Por que tu ta de touca?”.
“Porque tu ta de calça jeans? Também é roupa de frio. Não combina com Belém.”  E eu tive que admitir a verdade dessa observação. Grande Togui!
Apesar de aparentemente não se importar com a aparência, reparei que sua barba estava feita, e que a pele era bem cuidada. Togui era um cara bonito. Mas seu charme não estava na beleza, e sim na simplicidade. Ele dizia coisas que todo mundo sabe ou diz saber, a diferença era que ele realmente levava tudo o que dizia a sério. Por exemplo, ele parecia mesmo acreditar que as aparências eram detalhes, e que o verdadeiro valor de todos estava no coração. Este, sim, guiava seu caminho. Falava pra mim que nunca sabemos o dia de amanhã e que, por isso, devemos estar destituídos de preconceitos, mediocridades. Falava que devemos nos preocupar não em sermos felizes, mas em fazermos os outros felizes, pois quando fazemos os outros felizes, os outros nos fazem também. Confesso que nisso eu nunca tinha pensado.
Lembra daquela frase já bastante batida por aí, “com as pedras que me jogarem eu construo um castelo”, ou qualquer coisa assim? Togui foi além: “As pedras não são tão importantes, porque são metáforas, Nathália. O que importa é quem ta jogando, porque esses podem te machucar de verdade.” 
Caramba! E eu que achava que tava abafando quando dizia que ia construir um castelo!  
Anoiteceu e tivemos que nos despedir. Preferimos não marcar nada, deixar o acaso se encarregar disso. E foi legal porque, nesse sentido, ele era como eu: gostava de ser livre e qualquer coisa mais previsível que o acaso já não era tão atraente. Se você vir um cara de touca de lã azul clara por aí, com a barba feita e o jeito esquisito, diga que eu lhe mandei um abraço, por favor.

novembro 10, 2010

Adriano

Ele fechou os olhos e afundou a cabeça nas mãos. Chorava como uma criança, soluçava de dar dó. Não via nada, nem ninguém, nem coisa alguma que lhe pudesse servir como razão pra viver. Tudo lhe parecia frio, desbotado, mórbido. O quarto, agora, parecia tão extenso, a cama tão grande, as paredes pareciam grades. Seus pais achavam que ele estava começando a me esquecer, a acordar pro mundo ao seu redor... Pobres coitados! Pobre Adriano! Todos os dias ele pensava em mim. Todos os dias chamava por mim. Todos os dias ele queria morrer.
Às vezes, ele garantia que estava bem, que apenas precisava ficar um pouco sozinho. Essas eram as horas em que ele mais ficava comigo. Conversávamos durante horas, ele me questionava, me culpava por deixá-lo e, ao mesmo tempo, me chamava de volta. Ele me acusava de tê-lo abandonado, às vezes gritava comigo, dizendo que eu não podia ter feito isso. Coitada de mim. Tentava lhe explicar, mas não tinha como me defender. Ele me imaginava vendo a novela, deitada na cama. Ou então me imaginava sentada, falando sem parar sobre qualquer coisa insignificante que, pra ele, sempre foi tão importante quanto qualquer necessidade básica. Adriano é assim: tudo o que me diz respeito importa pra ele, tudo o que eu faço, falo, leio é bonito, único. Quantas noites passei naquele quarto? Quantas vezes me deitei naquela cama? Quantas vezes nos amamos até de manhã? Naquele tempo, me lembro muito bem, aquela cama de casal era pequena pra nós dois...
Meu Deus, quanta saudade, quanta dor, quantas lágrimas! Olhando pela janela, ele viu que o dia lá fora estava lindo. Resoveu ir à praia. Isso era uma espécie de ritual nosso: Nos finais de semana, íamos sentar de frente pro mar, à sombra de um guardassol. Eu quase sempre ia para a água, enquanto que ele ficava sentado, me olhando. Quando eu voltava, começávamos a falar e comer besteiras. Eu o chamava de amor e ele me chamava de sereia. Por isso, um dia, quando o vi entrando no mar com aquele olhar estranho, não entendi de imediato suas intenções. Meu Adriano queria morrer, porque achou que o mar tinha me roubado, de alguma forma. Em seus delírios, ele me via morando lá, entre peixes e corais. Graças a uma senhora, que percebeu o que estava acontecendo e chamou um salva-vidas, Adriano não conseguiu o que queria.
Desde então, ele já não tinha vontade de fazer mais nada. Perambulava pelas ruas, com a certeza de que tinha morrido e algum anjo ou demônio tinha esquecido de removê-lo da Terra. O andar sempre negligente, a cabeça sempre baixa, o olhar sempre no chão... Era tão bonito, com aqueles olhos castanhos tão intensos, aquele sorriso ofuscante... quando vestia vermelho, era o mais maravilhoso dos homens. Posso imaginar o vazio que ele sente, a revolta em seu peito. Eu contribuí para isso.
Outro dia, na praia, toquei seu rosto, afaguei seus cabelos. "Não posso, Adriano! Te amar, sentar ao teu lado, segurar tua mão. Não posso! Estou morta. Estou morta, Adriano! Já faz um ano desde aquela nossa última tarde, no hospital. Eu morri, mas você não, meu amor. Você continua vivo. Agradeça por isso. Vou sempre lembrar de como imploravas que eu me casasse contigo, de como me pedias pra controlar meus ciúmes infundados, de como me pedias um strip-tease. Ah, como eu queria poder fazer tudo isso agora. Mas eu não posso. Não ousa repetir aquela tua idéia maluca de acabar com a tua vida. Eu morreria  de novo se algo de ruim te acontecesse. Não posso te ter, e é assim que tem que ser. Não posso te ter! Nem eu, nem o mar."
Acho que, de alguma maneira, ele me ouviu. Quando se levantou pra voltar pra casa, um sorriso involuntário escapou daqueles lábios que eu tanto queria beijar, mas não podia. Era o primeiro em um ano. O que me fez pensar que meu Adriano poderia, enfim, estar conformado. Eu sabia que ele pensaria em mim por um bom tempo ainda, mas também sabia que um dia eu seria apenas uma lembrança. Rezei para que ele nunca me esquecesse. E me despedi pra sempre. 

novembro 09, 2010

Poesia

Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.


Carlos Drummond de Andrade

novembro 03, 2010

Eu Quero!



"Mathew me levou, então, em uma visita guiada pela casa – o ostensivo saguão de entrada com o gongo chinês (“O Espelho do Morto”), o baú com fecho de bronze (“O Mistério do Baú Espanhol”) e os impressionantes retratos de família (O Natal de Poirot); uma despretensiosa coleção de equipamentos de esporte no canto sob a escada tinha, imagino, um taco de golfe para canhotos (“Assassinato no Beco”) algumas raquetes de tênis (Hora Zero ou, menos morbidamente, Um Gato entre os Pombos) e um inocente bastão de críquete. Na sala de estar havia um grande piano (Um Passe de Mágica) e uma porta que se recusava a ficar aberta se não estivesse presa por um calço (Convite para um Homicídio); na mesinha de porcelana repousava o conjunto de imagens de Arlequim que inspiraram O Misterioso Mr. Quin. A janela por trás do piano foi de onde Hercule Poirot desceu lentamente após o chá da tarde em A Extravagância do Morto.
No andar de cima, depois de subir por uma tortuosa escada de madeira, estavam os banheiros ainda com os nomes das crianças refugiadas (Punição para a Inocência) da Segunda Guerra Mundial, escritos em etiquetas coladas nas prateleiras, enquanto a estante tinha os exemplares autografados de alguns amigos e autores da época (“Para Agatha, com emoção – Ngaio Marsh”)." 

                                   Trecho da Introdução de "Os Diários Secretos de Agatha Christie"

novembro 02, 2010

Romance Invisível

Bruna despertou ainda estava escuro. Ou melhor, a escuridão já começava a dar passagem à luz fraca do amanhecer, e o céu apresentava aquela cor fria e azul-cinzenta que todo fim de madrugada tem. Tudo parecia congelado.
Sentou-se. Como se estivesse proibida de fazer qualquer movimento brusco, libertou-se dos lençóis calma e suavemente, como quem se banha pra lavar muito mais que o corpo, pra lavar a alma. Como quem luta, não com o mundo inteiro, mas consigo mesmo. Aqueles lençóis a protegiam do vento gelado, mas agarravam todo um passado ao seu corpo. Um passado que deveria estar passado, um passado que, agora, se fazia presente bem ao seu lado, depois de uma louca noite de amor.
Deixou seu corpo nu exposto ao frio, então. Pensou naqueles dias todos em que ficaram sem se ver, no tempo em que ela acreditava ter conseguido matá-lo dentro do peito. Ficou ali, estática, olhando pra ele, ocupando a mente sempre tão inquieta com por quês e arrependimentos. A noite foi boa, mas chegou ao fim. Junto com o sol da manhã, viriam as despedidas: palavras sem sentimento, cheias de dó, humilhação...
Do mesmo jeito calmo e suave que seus braços disseram aos lençóis, ela disse para ele, em sono profundo:

- Não vou me prender de novo às suas vontades. Dentro de mim, há milhares de lugares que você nunca chegou. Sequer enxergou. Meu corpo foi desbravado, mas nunca libertado. Minhas mãos sempre te acariciaram e dos meus lábios recebeste os mais apaixonados beijos. Tuas mãos me tiraram muitas coisas, e me causaram grande sofrimento. Teus beijos eram insípidos, assim como o teu coração. Quando eu te perdia, me humilhava e te perseguia até voltares pra mim. Já eu, não podia ir embora, que você não fazia o menor esforço pra me trazer de volta. Não quero mais o teu amor, porque me incendiaste hoje, mas amanhã me virarás as costas. Fingirás que não me vês.

Ainda calmamente, assim que amanheceu ela se vestiu, despediu-se e voltou pra casa. Quando ele acordou, não havia nada no quarto além da TV ligada. Meio tonto, percebe que a televisão não deveria estar ligada. Procurou pelo controle, mas seria mais fácil levantar-se e desligar a tv do que encontrá-lo em meio àquela montanha de lençóis que parecia ocupar o quarto inteiro. Onde estaria Bruna? E então, nesse momento, ele reparou no pedaço de papel preso bem embaixo da televisão.

"Por muito tempo, eu não existi pra você. Mas eu sou de verdade. Hoje, porém, é você quem não existe na minha vida. Não me culpe, não me chame de vingativa. Você não sentirá nada, eu sei. És imune ao meu amor, sempre foste. Fui tantas vezes tratada como invisível, que acabei acreditando ser. Ontem foi um sonho. Você acordou. Acabou."

E ela, sendo invisível, desapareceu.
E ele, sendo imune, nada sentiu.