maio 12, 2011

"Essa Gente"


Sob a chuva fina que caía hoje de manhã, enquanto seguia meu caminho pra universidade, um velho feio, meio amarelado, quase sem dentes e vestindo uma camisa que parecia estar em seu corpo pelo menos uns três dias me parou e pediu pra que eu lhe desse três reais, pois precisava comprar um xarope, já não agüentava uma tosse horrorosa que lhe agoniava já havia dias. Meti a mão no bolso e tirei uma nota de cinco, ele entrou na farmácia e comprou um Xarope Vic, um vermelho. E enquanto eu abria a tampa, ele ia me contando que já estava ali na frente da farmácia desde cedo, mas que eu fui a única pessoa que lhe deu o dinheiro. “O senhor está sorte hoje. Tem dia que eu só tenho o do ônibus.” Eu disse. E então ele tomou o líquido, me agradeceu mais uma vez e acho que se deu por satisfeito.
Outro dia, enquanto voltava pra casa, quase choro de tanta raiva. Um garotinho, desses que vivem pelas esquinas, pedindo esmolas, parou perto de uma daquelas bicicletas de “completo” e pediu a um homem que lhe pagasse o lanche. Este assentiu e então, quando o menino foi pedir um pastel, o homem riu e disse: “Eu pago o teu se tu pagar o meu, moleque.” E riu. Que monstro! O garotinho que já estava pra comer, foi desfazendo o pouco sorriso que tinha no rosto, se encolheu e já ia saindo, quando eu disse que pagava o lanche dele. O idiota deve ter ficado pelo menos um pouco constrangido, porque logo começou a se explicar, dizendo que esses meninos são ladrõezinhos, drogadinhos, trombadinhas, essas coisas. Que não podemos ter pena “dessa gente”. A minha vontade era mandar ele se matar, porque de gente como ele o mundo está cheio e sinceramente sinto nojo disso. Mas, é claro que a única coisa que eu me dei ao trabalho de dizer foi: “É só uma criança”.
Cenas como essas, de gente mendigando, se humilhando por poucos centavos, infelizmente são mais do que comuns. Eu poderia contar inúmeras outras vezes em que me vi em situações desse tipo. Não sou rica mas, graças a Deus, meus pais sempre puderam trabalhar, me dar casa, comida, roupa lavada, amor. Cresci cercada de cuidados, é verdade, mas não me considero mais merecedora disso do que qualquer um. Quero dizer, tive sorte de nascer na família em que nasci. Outros não tiveram a mesma sorte que eu. Toda vez que vejo uma pessoa passando algum tipo de necessidade, me comovo. Velhos e crianças me comovem ainda mais. Sempre que posso ajudar, ajudo Tem gente que não dá esmola, que diz que isso não ajuda, que se você der um trocado eles trocam por bebida e até coisa pior, que é melhor pagar uma comida, essas coisas. Veja, eu até entendo às vezes.
Não sou tão romântica a ponto de acreditar que tudo o que me dizem, quando estão me pedindo algum dinheiro, é verdade. Pelo contrário. Sei que provavelmente muita coisa é mentira e, às vezes até acho que posso estar ajudando a comprar alguma droga, confesso. Mas de qualquer maneira eu ajudo. Você pode me chamar de louca, débil mental, sem noção. Mas faço isso de coração. Em primeiro lugar, a vida nas ruas com certeza é muito difícil. Com certeza, só quem já viveu nessas condições pode saber o quanto é sofrido não ter uma cama pra morar, um teto pra se abrigar, um chuveiro pra tomar banho, uma televisão pra distrair, um prato de comida pelo menos três vezes ao dia e isso sem falar da falta que deve fazer um vaso sanitário, pelo amor de Deus! Imagina como deve ser você ter que depender da caridade dos outros, quando o mundo está cada vez mais egoísta. Já reparou que, nos sinais, os carros mais caros, que provavelmente pertencem aos que mais tem dinheiro, são os que menos abrem as janelas? Já reparou que de madrugada as lanchonetes que abrem nos finais das festas ficam rodeadas de mendigos e ninguém parece sequer notá-los? Cadê aquele povo que diz que paga lanche? Pare pra pensar, quantas vezes você viu alguém realmente fazendo isso? Eu juro que nunca vi.
Pensando bem, é até compreensível que essas pessoas tão invisíveis procurem nas drogas um pouco de alívio, não? É até compreensível que roubem um celular, um tênis. Não concordo e nem estou aqui fazendo apologia a maconha ou uma campanha a favor de assaltantes, só estou dizendo que, no fundo, é fácil julgarmos e nos sentirmos superiores. É fácil você espancar um ladrãozinho, o difícil é se colocar no lugar dele. Sabe? Eu sempre penso que poderia ser eu. Quantos doentes mentais não estão nas ruas, abandonados pelas próprias famílias? E o mesmo acontece com idosos, deficientes... Quantos alcoólatras, dependentes químicos, pessoas que precisam de um tratamento, estão por aí, esquecidas pelo Estado?
Eu sou católica e até freqüento a Igreja, já paguei dízimo. Sempre que posso, ajudo minha Igreja. Mas eu garanto a você que, se eu tiver que ajudar um mendigo e pagar o dízimo, eu ajudo o mendigo. Vejo muitas pessoas por aí dando valores altíssimos a instituições religiosas, sejam elas católicas ou não. Não condeno e acho que com o seu dinheiro cada um faz o que quer. Apenas acredito que, de tudo o que se deve tirar da bíblia, duas coisas são fundamentais: amor ao próximo e compaixão. Na minha fé, Deus é como meu pai, que sempre vai preferir que façam por mim do que por ele. É claro que tem dias que não temos como ajudar, isso é normal. Mas negar uma simples ajuda que pro outro pode significar uma coisa muito maior é um pouco cruel. No final das contas, os moradores de rua são tão vítimas quanto nós da nossa própria soberba. Deveríamos ser mais amor e compaixão.
O velhinho de hoje de manhã com certeza ficou muito grato, mas eu fiquei ainda mais. Ele me deu muito o que pensar e me lembrou que as palavras são muito bonitas, e ficam mais bonitas ainda quando as colocamos em prática. Ele não me serve apenas como personagem, mas também e principalmente como razão pra agradecer todos os dias pela minha vida e pela sorte que tenho de ser quem sou. Sem que isso me faça, é claro, ficar alheia ou insensível às tristes realidades dessas pessoas.

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