abril 11, 2011

Pobre Marcelo!




Marcelo deslizou para o carro como se estivesse deslizando para a cama, com aquele andar que muitos achariam sonolento e preguiçoso e que só ele sabia ser motivado. O mundo em seu encalço, o desdém em cada olhar, a cada passo, as lembranças sucendendo umas as outras, pesadas. Marcelo resistiu às lágrimas e rezou para que as palavras que vinham martelando em sua mente deslizassem para sempre pra um lugar qualquer onde ele não estivesse ou sequer chegasse perto.
Marcelo sorriu e reconheceu que, de alguma forma, mais cedo ou mais tarde, a vida lhe sorriria de volta. Afinal, quem tem o costume de questionar a vida acaba ficando sempre com a pulga atrás da orelha; Olhou-se no espelho do retrovisor e orgulhou-se por não cair no choro, já estava cansado de tanto pranto. “Que droga de homem sou eu?” Um xingamento involuntário escapou-lhe dos lábios e ele caiu em si. Não precisava de ninguém pra ser completo, certo?
“Que droga de homem sou eu?” Deu um milésimo último olhar à casa que não estaria mais em seus domingos, que não seria mais seu destino depois de um dia cheio de trabalho e à janela daquele cômodo específico onde muitas vezes, pôde, acompanhado, admirar a vista, do lado de dentro. Agora era o contrário. Resistiu mais uma vez ao impulso de estacionar, tocar a campainha e esperar por ela na porta. Resistiu à vontade de convidá-la a deslizar com ele para dentro do carro, e depois para uma cama qualquer e depois pros seus abraços, pros seus beijos e por tudo o que a eles pertencia. Nunca mais faria isso. Ela tinha vícios vulgares, poemas pobres, risadas escandalosas, hábitos alimentares de gosto duvidoso, a auto-estima exacerbada e ainda era fã de luta. Marcelo odiava tudo isso, e muito. Mas amou o toque macio de suas mãos desde o primeiro encontro, os lábios que estavam sempre em oferecimento, a voz de soprano e o corpo tão bonito que parecia dançar ao ensaiar até os mais simples movimentos. Marcelo ligou o som do carro e começou a cantar num espanhol não muito convincente, com uma voz menos convincente ainda, suas músicas preferidas. E cada verso era uma mentira, uma maldição. O fim já vinha se anunciando há algum tempo, e nunca chegava realmente. Anunciava-se em pequenas atitudes, todos os dias e nunca chegava realmente. E finalmente um dia chegou, sem se anunciar.
Uma palavra menosprezava a outra e Marcelo rezava para que estivesse ouvindo errado, pensando errado, entendendo errado. Quando entendeu, então, que estava era amando errado. Ela nem ligou para a dor de Marcelo. Júlia acabou com tudo, e pareceu não sentir nada, por nada que já tivessem vivido. E Marília queria consolá-lo, mas será que não era ela quem precisava de consolo? Veja bem, Marcelo nem ligava para a dor de Marília. Na verdade, preferia migalhas a ao amor de verdade que lhe era dedicado. Por muito tempo, teve a esperança de conseguir de novo viver com Júlia, de reconsquistá-la, mas os dias passaram cruéis, vazios e sem mudanças. Hoje ele era uma droga de homem qualquer, que andava deslizando pelos cantos, cantando tristes melodias, sem sonhos, sem coragem. Tinha vontade de vomitar quando ouvia alguém dizer que ia ser feliz pra sempre, porque ele não acreditava mais nisso. E Marília desistiu de esperar, desistiu de amá-lo e entregou-se a outro, cada vez mais convicta de que fez a coisa certa.
Marcelo tinha os olhos tão murchos quanto pães dormidos, mas foi com estes olhos que ele viu a vida acontecer pra muitos, muitas Júlias, muitas Marílias e muitos Marcelos. Enquanto ele se prendia a um passado doentio e sem volta, as pessoas acabavam felizes, não para sempre, mas quase sempre. E ele convencia-se de que não nascera para amar ou ser feliz e sim para querer algo que não podia ter, com alguém que não podia lhe dar, sem parar pra ver quem queria lhe ajudar. Marcelo tinha vergonha de si. Vergonha de não ter sido feliz. Eu, no lugar dele, também teria. Às vezes, tenho vontade de consolá-lo. Mas será que não sou eu quem precisa de consolo? Aliás, quem não precisa?

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