novembro 10, 2010

Adriano

Ele fechou os olhos e afundou a cabeça nas mãos. Chorava como uma criança, soluçava de dar dó. Não via nada, nem ninguém, nem coisa alguma que lhe pudesse servir como razão pra viver. Tudo lhe parecia frio, desbotado, mórbido. O quarto, agora, parecia tão extenso, a cama tão grande, as paredes pareciam grades. Seus pais achavam que ele estava começando a me esquecer, a acordar pro mundo ao seu redor... Pobres coitados! Pobre Adriano! Todos os dias ele pensava em mim. Todos os dias chamava por mim. Todos os dias ele queria morrer.
Às vezes, ele garantia que estava bem, que apenas precisava ficar um pouco sozinho. Essas eram as horas em que ele mais ficava comigo. Conversávamos durante horas, ele me questionava, me culpava por deixá-lo e, ao mesmo tempo, me chamava de volta. Ele me acusava de tê-lo abandonado, às vezes gritava comigo, dizendo que eu não podia ter feito isso. Coitada de mim. Tentava lhe explicar, mas não tinha como me defender. Ele me imaginava vendo a novela, deitada na cama. Ou então me imaginava sentada, falando sem parar sobre qualquer coisa insignificante que, pra ele, sempre foi tão importante quanto qualquer necessidade básica. Adriano é assim: tudo o que me diz respeito importa pra ele, tudo o que eu faço, falo, leio é bonito, único. Quantas noites passei naquele quarto? Quantas vezes me deitei naquela cama? Quantas vezes nos amamos até de manhã? Naquele tempo, me lembro muito bem, aquela cama de casal era pequena pra nós dois...
Meu Deus, quanta saudade, quanta dor, quantas lágrimas! Olhando pela janela, ele viu que o dia lá fora estava lindo. Resoveu ir à praia. Isso era uma espécie de ritual nosso: Nos finais de semana, íamos sentar de frente pro mar, à sombra de um guardassol. Eu quase sempre ia para a água, enquanto que ele ficava sentado, me olhando. Quando eu voltava, começávamos a falar e comer besteiras. Eu o chamava de amor e ele me chamava de sereia. Por isso, um dia, quando o vi entrando no mar com aquele olhar estranho, não entendi de imediato suas intenções. Meu Adriano queria morrer, porque achou que o mar tinha me roubado, de alguma forma. Em seus delírios, ele me via morando lá, entre peixes e corais. Graças a uma senhora, que percebeu o que estava acontecendo e chamou um salva-vidas, Adriano não conseguiu o que queria.
Desde então, ele já não tinha vontade de fazer mais nada. Perambulava pelas ruas, com a certeza de que tinha morrido e algum anjo ou demônio tinha esquecido de removê-lo da Terra. O andar sempre negligente, a cabeça sempre baixa, o olhar sempre no chão... Era tão bonito, com aqueles olhos castanhos tão intensos, aquele sorriso ofuscante... quando vestia vermelho, era o mais maravilhoso dos homens. Posso imaginar o vazio que ele sente, a revolta em seu peito. Eu contribuí para isso.
Outro dia, na praia, toquei seu rosto, afaguei seus cabelos. "Não posso, Adriano! Te amar, sentar ao teu lado, segurar tua mão. Não posso! Estou morta. Estou morta, Adriano! Já faz um ano desde aquela nossa última tarde, no hospital. Eu morri, mas você não, meu amor. Você continua vivo. Agradeça por isso. Vou sempre lembrar de como imploravas que eu me casasse contigo, de como me pedias pra controlar meus ciúmes infundados, de como me pedias um strip-tease. Ah, como eu queria poder fazer tudo isso agora. Mas eu não posso. Não ousa repetir aquela tua idéia maluca de acabar com a tua vida. Eu morreria  de novo se algo de ruim te acontecesse. Não posso te ter, e é assim que tem que ser. Não posso te ter! Nem eu, nem o mar."
Acho que, de alguma maneira, ele me ouviu. Quando se levantou pra voltar pra casa, um sorriso involuntário escapou daqueles lábios que eu tanto queria beijar, mas não podia. Era o primeiro em um ano. O que me fez pensar que meu Adriano poderia, enfim, estar conformado. Eu sabia que ele pensaria em mim por um bom tempo ainda, mas também sabia que um dia eu seria apenas uma lembrança. Rezei para que ele nunca me esquecesse. E me despedi pra sempre. 

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