novembro 02, 2010

Romance Invisível

Bruna despertou ainda estava escuro. Ou melhor, a escuridão já começava a dar passagem à luz fraca do amanhecer, e o céu apresentava aquela cor fria e azul-cinzenta que todo fim de madrugada tem. Tudo parecia congelado.
Sentou-se. Como se estivesse proibida de fazer qualquer movimento brusco, libertou-se dos lençóis calma e suavemente, como quem se banha pra lavar muito mais que o corpo, pra lavar a alma. Como quem luta, não com o mundo inteiro, mas consigo mesmo. Aqueles lençóis a protegiam do vento gelado, mas agarravam todo um passado ao seu corpo. Um passado que deveria estar passado, um passado que, agora, se fazia presente bem ao seu lado, depois de uma louca noite de amor.
Deixou seu corpo nu exposto ao frio, então. Pensou naqueles dias todos em que ficaram sem se ver, no tempo em que ela acreditava ter conseguido matá-lo dentro do peito. Ficou ali, estática, olhando pra ele, ocupando a mente sempre tão inquieta com por quês e arrependimentos. A noite foi boa, mas chegou ao fim. Junto com o sol da manhã, viriam as despedidas: palavras sem sentimento, cheias de dó, humilhação...
Do mesmo jeito calmo e suave que seus braços disseram aos lençóis, ela disse para ele, em sono profundo:

- Não vou me prender de novo às suas vontades. Dentro de mim, há milhares de lugares que você nunca chegou. Sequer enxergou. Meu corpo foi desbravado, mas nunca libertado. Minhas mãos sempre te acariciaram e dos meus lábios recebeste os mais apaixonados beijos. Tuas mãos me tiraram muitas coisas, e me causaram grande sofrimento. Teus beijos eram insípidos, assim como o teu coração. Quando eu te perdia, me humilhava e te perseguia até voltares pra mim. Já eu, não podia ir embora, que você não fazia o menor esforço pra me trazer de volta. Não quero mais o teu amor, porque me incendiaste hoje, mas amanhã me virarás as costas. Fingirás que não me vês.

Ainda calmamente, assim que amanheceu ela se vestiu, despediu-se e voltou pra casa. Quando ele acordou, não havia nada no quarto além da TV ligada. Meio tonto, percebe que a televisão não deveria estar ligada. Procurou pelo controle, mas seria mais fácil levantar-se e desligar a tv do que encontrá-lo em meio àquela montanha de lençóis que parecia ocupar o quarto inteiro. Onde estaria Bruna? E então, nesse momento, ele reparou no pedaço de papel preso bem embaixo da televisão.

"Por muito tempo, eu não existi pra você. Mas eu sou de verdade. Hoje, porém, é você quem não existe na minha vida. Não me culpe, não me chame de vingativa. Você não sentirá nada, eu sei. És imune ao meu amor, sempre foste. Fui tantas vezes tratada como invisível, que acabei acreditando ser. Ontem foi um sonho. Você acordou. Acabou."

E ela, sendo invisível, desapareceu.
E ele, sendo imune, nada sentiu.

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