outubro 23, 2010

Cor de Casca de Batata

Às vezes me bate uma vontade doida de ser qualquer coisa que não o apropriado, o esperado. Uma vontade imensa de ser diferente. Não sou falsa, dissimulada, nem coisa pior, mas o que posso fazer se gosto de dar uma de personagem? O que posso fazer se há uma vontade imperiosa dentro de mim de ser narradora? Eu gosto de histórias, e gosto de contá-las. Às vezes apenas contar me basta. Às vezes, não. Eu tenho que participar, de algum jeito. Coitado daquele que não se entrega nem por um momento ao mundo da própria imaginação! Há coisa melhor que transformar o cotidiano banal e repetitivo de sempre em literatura? 
Sendo assim, vou agora escrever o pensamento literário que me ocorreu esta noite. Desde já, quero dizer-lhe que não terá a história completa, mesmo que eu quisesse (e eu não quero), não teria como contá-la por inteiro. Faltam-me palavras. Também devo adverti-lo do caráter pessoal e íntimo que lhe reveste. Com certeza, é mais relevante para mim do que para você, e eu não vou tentar disfarçar isso. Então, se você se sentir perdido, tudo bem. Só estou escrevendo mesmo porque eu não quero me perder. Sinto muito por você. Azar o seu de não ter vivido o que eu vivi, de não ter sido o que eu fui, e agora terá que se contentar com as descrições toscas que passam pela minha memória e saem dos meus dedos para o teclado. Azar o seu de viver de realidade. O que tenho a contar é o seguinte:
O céu, negro. Uma noite sem estrelas. Uma noite fria. Uma chuva fina. Ela, sozinha como a lua no céu. Já nem sabia porque estava ali, mas estava.  Chorar é um verbo muito forte pra definir a ação a que ela se entregava. Talvez não haja um verbo pra definir esta ação, mas podemos dizer que gotículas de lágrimas em dúvida brilhavam no seus olhos. Algumas decidiam-se por cair e manchar-lhe o rosto, outras resolviam transformar-se em qualquer outra coisa e apenas emprestavam seu brilho molhado ao olhar cansado. Entre ela e a chuva já não existia espaço algum, diferença nenhuma. Ambas resignavam-se e partilhavam da mesma sensação: a obrigatoriedade. Por que ela chorava? Porque tinha que chorar, ela sabia disso. Assim como a chuva sabia que deveria chover, pois era da natureza que ela caísse e a natureza é sempre obrigatória. Será que aquela folha caída há pouco era uma lágrima da árvore ao lado? Estranho esse negócio do mundo chorar com a gente! Olhando bem, a única coisa contrastante, alegre e quente, era o poste na frente da casa. Estranho esse negócio de “cor”... Nesse momento, a luz do poste não era amarela, nem branca, nem nada que lembrasse luz. Era pálida. Tinha cor de casca de batata.
A mulher, silenciosa, contemplava a chuva e esperava o amanhecer. E, no silêncio, no frio e na tristeza de uma madrugada insone, a mulher entendeu quem é. Ela sou eu tentando ser outra. Riu de mim com quem ri de uma criança tola, que não entende sua razão de ser. Eu não sei o que ela pensa, gasto palavras sem o menor remorso, enquanto que ela é silenciosa e misteriosa. Ela existe porque eu não me basto. Em minha defesa, argumento que não sou a única. Quem não quer ou nunca quis ser diferente? Você já quis? Tenho certeza que sim. Vai, assume. Ria de você mesmo. Não tem ninguém olhando. Esqueça que você é bicho social. Seja bicho natural mesmo. Siga uma vez o instinto. Deixe a sua natureza comandar você. Se os outros não te entenderem, finja que você é um poema. Ninguém vai precisar te entender pra ver que há poesia aí dentro.
Dúvidas, dúvidas, dúvidas e mais dúvidas. Essas dúvidas ainda me matam. Qual das duas sou eu agora? Melhor não saber. Que diferença faz? Eu sou muitas. E às vezes não chego a ser o suficiente pra uma só. Talvez as dúvidas, os problemas se resolverão se eu ficar calada. Talvez se resolverão se eu desabafar, “botar pra fora”. Se você é meu amigo, não me cobre explicações. A única que eu posso dar é que eu estou a um passo da loucura. Uma loucura gostosa, uma doidice sã. Gosto de ser eu mesma, e às vezes gostaria de ser outra, por cinco minutos ou mais, tanto faz. Não me invada o coração com fatos, ciências exatas, soluções lógicas. Eu gosto do improvável e sempre namorei o impossível. Eu gosto das cores alegres, mas sempre namorei o escuro, mesmo tendo medo dele. Mesmo gostando do rosa-bebê, o vermelho-sangue me atrai.
Pobres almas solitárias! Eu sou eu e eu sou muitas. Nunca estou sozinha. Vejo beleza onde não há, poesia onde ninguém vê e me permito experimentar de tudo. Me despeço com uma vírgula, mas o texto não vai continuar, pelo menos não aqui. A vírgula é uma homenagem minha à minha companheira de ontem, pra que ela continue escrevendo o resto em mim. Sim, porque eu sou um papel. Posso ser um papel amassado, rasgado, riscado, mas sou um papel. O que tem dentro de mim que me mancha, me rabisca. Como narradora que gosto de ser, também cabe a mim o papel de escolher o que eu mostro. Se você não gostar, vire a página, me dê uma segunda chance. Eu sou infinita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário